E quando olho para o céu, e o vento sopra no meu rosto, me deito debaixo do carvalho do parque da esquina, que permanece intacto e mais bonito a cada ano. 
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 Voltando aqui, memórias aparecem dos mais diversos lugares da minha mente, e carregam a minha alma para momentos de outros tempos, que foram abafados pelo caos da cidade grande. Mas, voltando aqui agora, vejo que esses pequenos momentos fazem minha vida valer a pena,  voltando páginas da minha vida, me sinto feliz por ter compartilhado da graça de ter tido uma boa infância e as lágrimas escorrem, e meus olhos se perdem de vista, e eu me pego olhando fixamente para o horizonte e agora eu sei que não existe outro lugar onde eu possa estar. É exatamente aqui onde devo ficar.
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Em 1996 todos os domingos, logo após o jogo de futebol que passava naquela tv antiga, que precisávamos sempre mudar a antena de lado pra poder funcionar, sempre íamos para debaixo do carvalho, comer pipoca e olhar o pôr do sol, não existia prazer maior que ficar ali, com o cheiro de grama verde e ouvindo o barulho dos pássaros misturado com o som das nossas gargalhadas, e então voltávamos pra casa, felizes e completos por dentro.
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 Hoje, voltando aqui, percebo que esses momentos são tão preciosos que se soubesse teria aproveitado mais. Pouca coisa mudou, o cenário é o mesmo, só que com outras pessoas, é estranho ver a história se repetir bem debaixo do meu nariz, o tempo é implacável e nos transforma por dentro, eu já não posso mais segurar o tempo em minhas mãos, nem controlar o vento que me impulsiona a seguir em frente.
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 Olho a tempestade que se aproxima e vem do norte, o cheiro de terra molhada e uns primeiros pingos de chuva caem sobre minha cabeça, molhando levemente minha boca  e penetrando nos meus poros, respiro fundo e um intenso raio brilha e reluz faíscas em vertigens de um dourado claro emoldurando a paisagem, parece até que estou sonhando acordado e não existe mais palavra para descrever o tamanho da paz que invade o meu corpo, essa paz que acalma meu coração e expurga do meu peito qualquer indício de desespero.
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E agora sei que por todo esse tempo nunca estive sozinho, que o meu passado nunca foi esquecido,  ele esteve apenas escondido por trás do véu dos tempos,  fecho meus olhos e mais um dia se vai,  é aqui que eu preciso estar, e depois da chuva dou vida a um novo eu que precisa renascer, encontro o caminho, retomo a fé perdida e prometo a mim mesmo que jamais esquecerei de quem eu fui, e que hoje reconheço ser mais forte por ser quem eu sou, e agora encerro com grande júbilo, mais uma página da minha historia, do meu eu, de quem sou e de tudo que restou.

       Escrito por Jal Vasconcelos
       Editado por Jessica Sena








 Sinto falta das suas roupas penduradas no varal, o qual eu passava horas olhando por trás, pela linha do horizonte, como se você ainda fosse voltar, e preso fixamente sentado na varanda vendo nossas fotos e discos, lembrando quando você com cara de bobo olhava nos meus olhos e cantava perfeitamente: “Let me get what I want”, e eu fechava os olhos e  me embriagava nas suas notas, sua voz rouca ajudava a compor o nosso cenário feliz de manhã ensolarada de domingo.

 O contraste do sol, exposto no seu corpo tatuado flexionado em torno de mim. Era como se você soubesse o que eu queria, me sentia uma criança nos seus braços, talvez por ter passado a vida solitário me sentia bem em ter alguém ao meu redor, inconscientemente aquilo me fazia mais forte e uma pessoa melhor.

 Era impressionante os nossos gostos em comum, lembra que sempre líamos juntos Clarice toda noite antes de eu pegar no sono e dormir segurando suas mãos? Aquele livro manchado de café nas últimas páginas, pois caímos no sono e você derrubou ele em cima da caneca de café? Do livro que nós nos sentíamos felizes e dormíamos esperançados e renovados para o outro dia? Pois é, ele ainda está marcado na página que você parou, e eu nem ouso chegar perto dele, é como se queimasse e eu sei que se eu ler novamente sem você comigo, aquelas palavras irão me consumir por inteiro.

 Você era metodicamente organizado, tudo deveria estar em seu devido lugar, já eu sempre fui o oposto, deixava as roupas jogadas pelo chão do quarto, perdia as chaves, documentos e você sempre me olhava com aquela cara de reprovação, eu já sabia que você não gostava, mas acho que fazia aquilo pra ver sua cara de raiva, com os olhos fechados e a boca levemente cerrada como se fizesse bico. Eu não conseguia olhar nos seus olhos, pois sabia que se olhasse por mais de cinco segundos cairia na gargalhada e você ia ficar com mais raiva ainda.

 Lembra que arranhei o seu disco do Led Zeppelin, quando esforçadamente tentava tirá-lo da capa, você sabia, eu sempre fui desastrado e não sou muito delicado com as mãos,  sempre lutei contra a gravidade em uma guerra que sempre fui vencido, peguei o disco do chão e coloquei rapidamente de volta ao seu lugar, quando você voltou do trabalho, ligou o som e pegou o disco pra ouvir, eu estava posto do seu lado e o sangue correu frio nas minhas veias, você já estava estressado e colocou para ouvir “The Rain Song”, minha musica favorita, você tinha prazer em me agradar e de repente no segundo solo da música, que você imitava com a boca o disco travou, você olhou para a minha cara e eu já ia me explicar, mas você percebeu minha cara de desespero e com a maior calma do mundo falou que tinha arranhado o disco na ultima vez que ouviu. Foi perceptível minha cara de alívio, daí você veio e pegou as minhas mãos como se falasse: Se acalme,está tudo bem.

 Você sempre me ouvia cantar e tinha um prazer maquiavélico em me criticar, sentado no sofá reclamava que eu nunca alcançava os tons, e se o Jimmy Page me ouvisse cantar iria ficar muito puto, você me chamava de Jim Morrison tuberculoso, pois eu não conseguia alcançar os tons lentos e eu sempre era mais eufórico e dramático do que a música exigia, eu sabia que era verdade, mas não ligava, continuava cantando como se ninguém estivesse ali me julgando, com os olhos arqueados e sempre com a cara de negação, mas por dentro eu sabia que você adorava me ouvir cantar, com minhas performances exageradas e nada artísticas, sempre caíamos na risada e eu nunca conseguia chegar na segunda parte. Eu adorava nossas discussões infantis, onde não chegávamos a nada e acabávamos com um pedindo perdão ao outro e ficava tudo bem, e logo depois você vinha correndo me beijar.

 Você apoiava os meus sonhos, e sempre me impulsionava a seguir em diante, por mais esdruxulo e impossível que fosse meus planos, passávamos horas e horas falando sobre o nosso futuro, como seríamos dali a dez anos, como seriam nossos filhos e como seria o nosso amor depois de tanto tempo, nós nunca fomos inconsequentes e eu sempre achei que você conhecia a mim melhor que eu mesmo, e desse jeito eu sempre acreditava que iria ficar tudo bem.

 Talvez o tempo tenha desgastado o que sentíamos, quebrado as pontes que nos norteavam um ao outro. Sinto irrevogavelmente tristeza em lembrar em você ou o que poderíamos ter sido, pensei que sempre éramos fortes o bastante para aguentar qualquer empecilho, e hoje eu sei que não existe mais nada longe de você.

 Tenho conseguido segurar firme, talvez por querer me mostrar forte pra você, não aparentar qualquer indício de fraqueza, pois você sempre odiou pessoas fracas e eu por dentro sempre morri de medo de não superar suas expectativas, e quando nos encontramos pela última vez, você perguntou da minha vida e eu respondi que estava indo muito bem, falei sem nenhuma animação das poucas novidades que me tinham acontecido, me subiu um gosto amargo na boca, pois não estava nenhum pouco bem e me senti ainda mais destruído, quando você falou que tinha saído do emprego que tanto amava, e estava prestes a mudar de cidade com uma nova pessoa que conheceu, eu não quis aceitar que você tinha mudado e que eu não estava mais nos seus planos, me senti impotente e ainda mais vazio.

 E hoje faz dois anos e eu sei melhor do que ninguém que ainda preciso de todo o seu cuidado, tenho que parar de me castigar, as rosas que você me deu foram arremessadas a sete andares abaixo, mas sou eu quem estive caindo todo esse tempo, e eu gastei todos os meus créditos, usei todos os meus artifícios, estou só nessa guerra sem armadura, sem munição, sou só um alvo, que com o peito em chamas espera a explosão.
Acho que não posso fazer mais nada, eu devo ter mudado também, me tornei mais frio e tenho tanto medo de me olhar no espelho, pois sei que não irei me reconhecer. Hoje você está casado, tem uma filha e o que mais me dói é que ela é justamente o que eu sempre sonhei em ter. Não posso mudar a realidade por mais que eu pense e repense onde foi que eu errei, talvez tenha sido a circunstância a grande culpada, quando uma coisa predestinada toma um sentido oposto, quando não tem que ser. Mas confesso que ainda hoje mesmo que seja inconsciente, me sento na varanda, acendo um cigarro e olho ao meu redor, respiro fundo e  com a porta aberta, espero que você volte.


Escrito por Jal Vasconcelos
Editado por Jessica Sena