E dois mil e quinze veio com uma placa de aviso meio escura e enublada. Disfarçado com uma alegria mórbida ao qual eu me deixei enganar com seu sorriso. Os meses foram se passando e o sentimento de falta cada vez mais se perpetuava, fatos foram se desenrolando aos meus olhos, a angústia aumentava, uma angústia visceral que mais parecia fome. Não uma fome qualquer, até que descobri que era algo espiritual de quem sente fome com a alma. Sofrimento, medo de perder.  Tentei agarrar o que me restava, mas com o tempo tudo foi escorregando entre os meus dedos. É que sou pisciano com ascendente em touro, agarrado as pessoas, sentimentos, que não quero que nada escape e fuja do meu controle, mas precisei perder para entender que as coisas precisam de movimento. No começo doeu, doeu tanto que tive de mudar, a dor da mudança é algo que para mim vem como uma sentença, uma morte. Eu de fato morri, mas em seguida descansei em um sono profundo, como alguém que de um trauma muito grave entra em coma, vivi em um verdadeiro limbo ao qual não sentia absolutamente nada. Foi aí onde descobri que precisava dar mais atenção ao aviso.

 Um ano antes tinha dado entrada em um processo terapêutico que foi lento e gradativo, me joguei de cabeça sem medo das consequências, sem medo de me machucar, pois, já tinha me machucado tanto que pensei ser imune a dor, mais um engano, voltar ao passado não é tarefa tão fácil, mais uma vez me fui colocado diante de situações que pensava ter esquecido e em ver novamente todas aquelas cenas passando como um filme diante dos meus olhos achei abominável e maravilhoso. Um dilema primal do ser humano me me veio de relance na cabeça: vida e morte. Foi aí que percebi que para viver é preciso morrer mais de uma vez e a morte nada mais é que uma transição de estado, uma mudança. E mudança causa instabilidade, um medo arretado do desconhecido. Tive que enfrentar mais um dilema, dessa vez mais pessoal e introspectivo, demorou para que as respostas chegassem. 

 De tanto correr atrás de coisas sem tanta significância, de driblar os avisos, ao ter uma sede implacável de querer matar por ter sido morto tantas vezes, causei uma confusão demasiada. É difícil se agarrar a algo em meio a um furacão, mergulhei na tempestade das minhas próprias emoções até que tudo começou a fazer sentido. O furação passou e eu me vi em meio a escombros, mas algo me acalmou, já não era a primeira vez que passara por isso. Precisei ter um olhar frio, me colocando fora da situação para poder enxergar a sua dimensão, meditei e comecei a analisar um por um, dissecando lentamente, matando minha fome aos poucos, até que não sobrou mais nada, nenhum pozinho. Eu vi a face do desconhecido e não me assustei, fiz dele meu companheiro.

 Dois mil e quinze foi de longe o ano mais turbulento da minha vida, cheio de altos e baixos, misterioso, ríspido e sinuoso, que veio para modificar e abrir novos portais, com a cara de um pai mau mas dono de uma sabedoria maravilhosa. Ano onde eu pude acordar e me libertar de antigas amarras, contemplar os meus defeitos. O ano está quase no fim, e ao olhar para trás vejo tudo com a lembrança de uma boa experiência, percebo que o ano mesmo que pareça árduo foi de uma ternura e benevolência incríveis. Ano cheio de misticismo e espiritualidade ao qual eu voltei a acreditar, cantar, sorrir e até dançar. Hoje caminho no escuro do desconhecido, livre, sem pressa ou medo. Para que ser apenas um se posso ser o mundo inteiro? 

Encerro este texto com uma imagem fixa no pensamento: A cobra que engole a própria cauda, resoluta e sinuosa. Filosófica, mística ou mitológica? Para mim tanto faz, em qualquer contexto possui o mesmo significado que é preciso se destruir para se configurar um novo ser.